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Leito em fase de terraplanagem na trincheira Jurumirim que já deveria dar acesso a Avenida Miguel Situl, em Cuiabá. Foto: Felipe Frazão/Veja.com |
Numa entrevista à agência Reuters que rodou o
mundo desde a noite de sexta-feira, o ex-jogador Ronaldo, que tem assento no
Comitê Organizador Local da Copa, soltou o verbo sobre o atraso nas obras de
preparação do Brasil. “Eu me sinto envergonhado”, disse ele. Foi uma declaração
contundente, vinda de uma figura pública brasileira diretamente envolvida no
torneio, e o governo tentou reagir. No sábado, a presidente Dilma Rousseff e o
ministro do Esporte, Aldo Rebelo, se pronunciaram. “Não temos do que nos
envergonhar”, disse a presidente, ao passo que ministro – surpresa! – lançou
mão de uma metáfora futebolística e acusou o ex-atacante de desferir “um chute
contra o próprio gol”. Mas a verdade, infelizmente, é que o Brasil tem, sim,
motivos para se envergonhar. E esses motivos estão expostos na terra revirada e
nas ruas obstruídas de Cuiabá (MT), cidade que, a vinte dias do início do
mundial de futebol, sintetiza todos os erros de organização em que o país se
enredou.
Quando Cuiabá
foi escolhida, em 2009, uma das doze sedes da Copa, os mato-grossenses ficaram
esperançosos de deixar no passado a palavra atraso. Com infraestrutura urbana
precária, a capital do Estado prometia uma revolução. Porém, uma visita à
cidade revela que a palavra atraso, além de ser pronunciada em todas as
esquinas, agora vem acompanhada de termos como desvio e improviso. As
principais obras de mobilidade urbana não ficaram – e nem ficarão – prontas a
tempo. O deslocamento na cidade é caótico: dezenas de placas de trânsito
indicam caminhos interditados por causa de canteiros de obras, que acumulam
entulho e barro. Com tráfego pesado, as ruas alternativas foram esburacadas.
Principal responsável pelo iminente vexame que o Brasil transmitirá aos estrangeiros
que chegarão ao país nas próximas semanas, o governo de Mato Grosso admite o
despreparo para executar as obras prometidas e tenta garantir o mínimo.
"Se eu não trouxer o turista, o torcedor, a família Fifa e os jogadores do
aeroporto ao hotel sem passar por aqueles desvios e lugares terríveis eu matei
a minha cidade e a minha copa", disse ao site de VEJA o responsável pela
Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo, Maurício Guimarães.
A capital
mato-grossense tornou-se exemplo de como não fazer: subestimou dificuldades
previsíveis, como as desapropriações de imóveis, falta de mão de obra
qualificada, má gestão e atrasos no repasse dos recursos federais e na
conclusão dos projetos. “As condições financeiras apareceram e fomos audaciosos
de abraçar tudo para não desperdiçar o que estava à disposição do poder
público, como sede de Copa. Isso criou um grande volume de execução num tempo
muito curto. Foi obra demais, excesso de trabalho. O Estado não estava
preparado”, admite Maurício Guimarães. Parte da responsabilidade pela
desorganização pode ser atribuída à escolha das sedes: a Fifa sugeriu de oito a
dez, mas o Brasil queria ampliar para dezessete; terminou com doze. A
pulverização fez o país erguer estádios milionários que dificilmente terão
utilidade no futuro – Mato Grosso, por exemplo, não tem nenhum time na elite do
futebol, tampouco um campeonato estadual atraente.
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Na ponte sobre o Rio Cuiabá as obras do VLT também estão atrasadas. Foto: ASCOM/TCE |
Os primeiros
visitantes desembarcarão num empoeirado cenário de “praça de guerra”, conforme
definiu na semana passada o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU),
ministro Augusto Nardes. Apesar de não haver nenhuma batalha em Cuiabá, os
atrasos mais visíveis ficam em “trincheiras” – mergulhões para carros em
cruzamentos da Avenida Miguel Sutil, que corta a cidade com pistas mal pavimentadas
e conversões improvisadas. As duas maiores "trincheiras", Jurumirim e
Santa Rosa, ficarão pela metade, somente com pistas laterais e rotatórias
abertas à passagem de carros depois de asfaltadas às pressas. Na da Santa Rosa,
ainda vaza água em solo com terra e pedras aparentes em frente ao hotel onde a
comitiva da Fifa se hospedará.
O Tribunal de
Contas do Estado (TCE) e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA)
questionaram em vistorias o acabamento das obras. Relatórios dos dois órgãos
apontaram uma série de falhas visíveis nas construções: ausência de
sinalização, infiltrações, drenagem inadequada, rachaduras e paredes tortas
(fora de prumo). A pista de saída do recém-inaugurado Viaduto do Despraiado,
por exemplo, corre o risco de ser invadida por terra se chover forte por causa
do deslizamento de um barranco ao lado. “Em novembro do ano passado já
apontávamos que as obras não estariam prontas se continuassem no ritmo em que
se encontravam”, disse o conselheiro do CREA-MT André Schuring. "Por causa
da qualidade terrível, começava a ficar claro que o tal legado da Copa também é
uma obra de ficção." Ele observa a necessidade de inspeções técnicas para
identificar quanto pode custar ao município o eventual reparo dos erros.
Reclamar das
obras não é exclusividade da turma "do contra". Até ex-gestores do
governo Silval Barbosa (PMDB) se constrangeram com a preparação. "Eu fico
com vergonha em receber as pessoas com a bagunça que fizeram em Cuiabá. Está
tudo arrebentado", disse à reportagem, sob anonimato, um ex-secretário do
Estado.
Não faltou
dinheiro. Só as obras da Copa em Cuiabá custaram aos cofres públicos pelo menos
2,3 bilhões de reais, de acordo com levantamento da ONG Contas Abertas. Porém,
o governo só executou pouco mais de metade do orçamento: 1,2 bilhão de reais.
Maior e mais caro projeto, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) consumiu mais de
1,5 bilhão de reais e só deve entrar em operação em 2015. Os operários
abandonaram boa parte dos canteiros ao longo dos 22 quilômetros do modal, na
estratégia do governo estadual de priorizar as construções com chance de
conclusão, ainda que parcial. De todas as obras previstas na matriz de
responsabilidades, Cuiabá deve entregar apenas o estádio e o corredor viário
Mário Andreazza – duplicação da rodovia e da ponte de acesso entre aeroporto e
o centro da capital. O Arena Pantanal, um estádio moderno de 570 milhões de
reais, já está sob administração da Fifa – mas ainda falta concluir o
cabeamento e instalar estruturas de apoio temporárias, cabines de transmissão,
tendas e grades.
Chegada – O
secretário Maurício Guimarães diz que "todas as obras lhe preocupam",
mas vai priorizar a liberação da saída do aeroporto de Cuiabá, trecho que ele
considera "o principal gargalo". Passageiros elegeram o Marechal
Rondon o pior aeroporto entre os quinze que servirão aos turistas na Copa – são
doze sedes, mas São Paulo tem três aeroportos, e o Rio, dois. Cuiabá ficou na
última posição em quatro das cinco pesquisas de satisfação da Secretaria da
Aviação Civil da Presidência. A estrutura é acanhada: banheiros apertados e
faltam calçadas livres na entrada do terminal de embarque, ainda em obras de
ampliação.
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A cidade virou um canteiro de obras em atraso. Foto: Felipe Frazão/Veja.com |
Sair do
aeroporto será tarefa desgastante. As interdições de trânsito têm causado
engarrafamentos intensos na cidade: a frota da capital e da cidade vizinha
Várzea Grande, onde fica o Marechal Rondon, soma 224 000 carros e 104 000
motos, para uma população conjunta de 833 000 habitantes. E há um agravante: o
déficit de táxis. Sem contar os turistas, a média é de mais de 1 000 habitantes
por taxista nos dois municípios. Em São Paulo, a proporção é mais branda: cada
táxi serve a 360 moradores. "Acho que os turistas vão ficar muito
arrependidos e se perguntar o que vieram fazer aqui", disse o taxista em
Várzea Grande Pedro Paulo Ventura, de 29 anos.
Estada – Outro
problema estrutural de Cuiabá é a rede hoteleira. Na primeira fase do Mundial,
o governo estima que a cidade receberá entre 40.000 e 50.000 estrangeiros,
vindos principalmente da Colômbia, Austrália e Chile. A secretaria de Turismo
da prefeitura de Cuiabá ficou responsável por buscar alternativas de acomodação
aos turistas para suprir a demanda nas partidas de pico. Em um raio de 200
quilômetros da capital, existem apenas 23 000 leitos hoteleiros – e o déficit é
de 12 000 vagas, segundo o secretário Marcus Fabrício. A prefeitura incentivou
que cuiabanos alugassem quartos em suas casas no esquema cama e café (bed and
breakfest, em inglês) ou locassem os imóveis por temporada. Nos últimos dias,
Fabrício visitou terrenos próximos ao estádio que podem servir de camping para
mochileiros, principalmente chilenos, que pretendem viajar ao Brasil de carro,
ônibus ou em motor-homes. O secretário também solicitou a motéis da cidade o
bloqueio de cerca de 500 quartos frequentados por casais na madrugada,
anote-se, com decoração adaptada: "Só precisa retirar o espelho do teto e
a cama redonda, resolver essas questões". Ele não considera que hospedagem
cause estranheza aos hóspedes estrangeiros: "Nos Estados Unidos é comum
dormir em motel, o conceito é diferente." Mas os preços (além das camas
redondas que sobreviverem à "adaptação") certamente devem espantar:
no motel Segredos, a suíte dupla sairá por 1.200 reais, com hidromassagem e
piscina, e as simples por 600 reais. A opção derradeira é típica de encontros
universitários: alojamentos gratuitos com colchonetes em salas de aula de
escolas estaduais ou igrejas.
O diretor de
hotéis do Sindicato Intermunicipal dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares
de Mato Grosso, Luiz Verdun, explica que a rede hoteleira de Cuiabá cresceu
pouco desde que a cidade foi eleita como sede do mundial: havia cerca de 12 000
quartos e agora existem mais de 13 000 unidades. Segundo ele, a capital do
Estado não possui demanda que sustente o mercado ao longo do ano. Verdun prevê
uma "guerra de tarifas" no período pós-Copa: "O investimento é
pesado, rede hoteleira não é barraca de camping que se desmonta após a festa.
Muita gente vai quebrar ou terá de transformar os prédios em salas comerciais".
O representante do setor também relata que os hotéis não conseguiram vender
pacotes de estada com visitação às principais atrações turísticas e que sobram
vagas para os dias das partidas Rússia x Coréia do Sul e Bósnia Herzegovina x
Nigéria. "O turista reservou apenas um ou dois dias, só para ver o jogo e
ir embora", afirma. "A Copa existe em Cuiabá em função da ecologia.
Mas não fizeram absolutamente nada no Pantanal e as estradas até lá são
péssimas e perigosas. A Chapada dos Guimarães bloqueou pontos de visitação
muito populares."
Infográfico do improviso: A edição impressa da revista traz a dura realidade das obras atrasadas, em Cuiabá. Foto: Reprodução/Veja.com |
Desde o início
do ano, os mato-grossenses de Cuiabá e Várzea Grande convivem com crimes em
elevação. Nos quatro primeiros meses, os homicídios aumentaram 45% e os roubos
41% nas duas maiores cidades do Estado, ante o mesmo período do ano passado.
Até abril, as cidades somaram 158 assassinatos enquanto em 2013 houve 109
homicídios. Os roubos chegaram à marca de 2851 ante 2021 no ano mesmo período
do ano anterior. A cidade terá reforço de tropas federais, mas Secretaria da Segurança
Pública faz sigilo sobre a quantidade: “Em momento algum turistas estrangeiros
ou nacionais irão correr riscos em solo mato-grossense”.
Se depois de
tantos percalços em dias quentes com temperaturas acima dos 30 graus, os
turistas saírem de Cuiabá com uma boa impressão do Brasil, deve ser por causa
da simpatia dos cuiabanos e da boa mesa que a região oferece. Essa também é a
esperança do governo estadual. Apesar de descrentes, os mato-grossenses ainda
têm expectativa de que a cidade melhore. "É um transtorno que estamos
passando, mas no futuro será benéfico para a população", disse o corretor
de imóveis Clayton Gomes, de 33 anos, morador de Colíder (MT) a 630 quilômetros
de Cuiabá.
A culpa nisso tudo é dos Governantes e depois das empreiteiras porque todos eles receberam o dinheiro e para onde foi.....
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