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A lentidão das obras em Cuiabá é destaque nacional. Foto: Mary Juruna |
Uma
reportagem da revista Época, publicada no último domingo (20) e intitulada 'O
Lamaçal do Pantanal', classifica Cuiabá como a sede mais problemática entre as
que irão sediar jogos da Copa do Mundo no Brasil.
Entre outros pontos, a matéria da jornalista
Juliana Arini cita o atraso no andamento das obras na Capital mato-grossense,
bem como a certeza da não conclusão de muitas delas antes do Mundial, como o
Aeroporto Marechal Rondon e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
A reportagem ainda ironiza o ‘azar’ que Cuiabá
teve no sorteio dos jogos da Copa e lembra que, entre as partidas a serem
realizadas na Arena Pantanal, está o ‘memorável jogo’ entre Bósnia e Nigéria.
Confira na íntegra:
O
lamaçal do Pantanal: Cuiabá é a sede mais problemática à espera da Copa
A Copa do
Mundo começará em Cuiabá na sexta-feira, dia 13 de junho, com o jogo entre
Chile e Austrália. O sorteio das chaves não foi camarada com a cidade. Ela
receberá também Rússia x Coreia do Sul, Nigéria x Bósnia e Japão x Colômbia,
partidas que não podem ser consideradas clássicos do futebol mundial. O caos
que Cuiabá vive às vésperas da Copa não pode, no entanto, ser creditado à falta
de sorte. As expectativas eram imensas. Em 2009, o governador Blairo Maggi
falava em avançar 40 anos em cinco. O projeto inicial parecia excelente. O
estádio a construir, a Arena Pantanal, seria um dos mais baratos da Copa, a um
custo de R$ 420 milhões. Para sediar quatro jogos do Mundial, Cuiabá receberia
investimentos de R$ 2,5 bilhões, parte deles na forma de empréstimos feitos ao
governo estadual pela Caixa e pelo BNDES. Com o dinheiro, Cuiabá reformaria o
aeroporto que serve a cidade, faria diversas obras viárias e resolveria os
problemas da mobilidade urbana com um sistema de bondes – os VLT, os Veículos
Leves sobre Trilhos.
Às vésperas
da Copa, o cotejo entre as intenções e o que foi realizado dá a medida do
fracasso. Das 56 obras prometidas, apenas 14 serão inauguradas a tempo do
Mundial, segundo o relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE). As obras
incompletas começam pelo aeroporto. Os trechos completos do sistema VLT só
serão entregues em 2017. O estádio está atrasado – deveria ter sido entregue em
dezembro, e a nova data é 26 de abril, a um mês e meio da Copa. Todas as obras
custarão mais caro que o previsto, e em todas as frentes pipocam denúncias dos
órgãos de fiscalização.
Quem desembarca na cidade de Várzea Grande,
onde fica o aeroporto internacional da região, encara uma paisagem lunar. O que
se vê é uma imensa cratera cercada por materiais de construção. Desembarcar é
uma aventura, pois é necessário pular tapumes e atravessar poças de lama em
pequenas pontes improvisadas de compensado – para, depois, mofar à espera dos
poucos táxis que disputam os espaços entre as obras e o acesso ao terminal. Custeada
com os recursos federais, a obra, orçada em R$ 100 milhões, já recebeu uma
advertência do Tribunal de Contas da União por sobrepreço – R$ 11 milhões.
Pior: está longe de ser concluída. A empresa responsável, a Engeglobal,
declarou há dois meses que o aeroporto não ficará pronto para a Copa do Mundo.
Procurada na semana passada, a Engeglobal não atendeu aos pedidos de entrevista
de ÉPOCA. Isso significa que os torcedores dos times que jogarão em Cuiabá
continuarão se equilibrando nas pontes de compensado. Pobres nigerianos,
bósnios, russos, japoneses...
Os torcedores
também não poderão andar de bonde – ideia controversa desde o princípio pelo
custo elevado, estimado em R$ 1,2 bilhão. O governador Blairo Maggi era contra
os VLT. Preferia um sistema de ônibus em faixas exclusivas, o BRT (sigla de Bus
Rapid Transit). Ele sairia bem mais barato – cerca de R$ 700 milhões. De outro
lado, o deputado José Riva, ex-presidente da Assembleia Legislativa, defendia
os VLT. Riva venceu. Vários incidentes ocorreram no meio do caminho. Em 2011,
houve a denúncia de adulteração de um laudo do Ministério das Cidades. Num
primeiro momento, o ministério se dissera a favor do BRT. De acordo com a
denúncia que gerou um processo no Ministério Público Federal, a gerente de projeto
do Ministério das Cidades, Cristina Maria Soja, alterou o laudo – e, em agosto
de 2011, o novo parecer, favorável aos bondes, foi aprovado pela ministra do
Planejamento Miriam Belchior. Riva, patrono do projeto, teve pouco tempo para
comemorar. Ele foi afastado da Assembleia Legislativa de Mato Grosso em 2013,
acusado de desvio de R$ 2,6 milhões dos cofres públicos.
O sistema de
bondes também foi acusado de se beneficiar, inapropriadamente, do Regime
Diferenciado de Contratação, criado para apressar as obras da Copa, mesmo
sabendo de antemão que ele não ficaria pronto a tempo do Mundial. Pelo regime,
os autores do projeto do VLT ficaram dispensados de apresentar o projeto
executivo formal. “Fizemos uma ação para paralisar a obra e questionar o governo
sobre os custos e ausência de projetos. Temos dúvidas sobre se o trem será
viável para a população”, afirma Clóvis Almeida, promotor do Ministério Público
Estadual. Procurada por ÉPOCA, a Secopa – secretaria estadual responsável pelas
obras – negou que não existisse projeto executivo. Por fim, existe outra
denúncia, também investigada pelo MPE, de fraude na licitação da obra. A soma
de denúncias fez com que a obra fosse embargada no TCE. A decisão acabou
revogada.
Liberada pela
decisão judicial, a obra do VLT é a que mais transtornos gerou no trânsito. Em
menos de um mês, todas as avenidas principais foram interditadas, árvores foram
cortadas – e o comércio da Avenida da Prainha, uma das mais antigas vias do
Centro Histórico de Cuiabá, foi isolado do restante da cidade. Os lojistas
tiveram prejuízo. “Fizemos passeatas e custeamos laudos para mostrar nossas
perdas. Tem gente na avenida que até infarto sofreu. Só sairemos daqui depois
de o governo nos indenizar pelos danos que nos causou”, afirma Dilma Gaião
Gentil, lojista no Morro da Luz e presidente da Associação dos Empresários e
Locatários da Prainha.
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Obras da Arena Pantanal. Foto: Circuito MT |
Por último, e
talvez mais importante, está a Arena Pantanal. O estádio que prometia ser um
dos mais baratos da Copa, a um custo de R$ 420 milhões, já consumiu R$ 570
milhões, e a previsão é que chegue aos R$ 600 milhões. O atraso da obra é de
mais de três meses. Há suspeita de superfaturamento até nas cadeiras. A
licitação vencida pela empresa Kango, em 2013, mostrou que a Arena Pantanal
teria as cadeiras mais caras do Mundial, com um custo total de R$ 20 milhões.
Cada cadeira seria vendida a R$ 436, o dobro do valor das que foram instaladas
pela mesma empresa no Estádio Mané Garrincha, em Brasília – onde também houve
suspeitas de superfaturamento. A compra quase foi anulada por uma ação do
Ministério Público. Depois de um acordo, a Kango concedeu um desconto, e o
preço total caiu para R$ 18 milhões.
O jogo
inaugural, entre Vasco da Gama e Luverdense, será no dia 26 de abril. Para
evitar a síndrome do elefante branco – a média de público do Luverdense, melhor
time do Estado, é de 5 mil pessoas por jogo –, a Arena Pantanal deverá ser
privatizada e terá de buscar o destino de outros estádios da Copa: abrigar
megashows. Como é duvidoso que Madonna, Lady Gaga ou os Rolling Stones incluam
Cuiabá em suas turnês, não se espera facilidade na privatização. Somando o
estádio sem público, o aeroporto enlameado e os bondes embargados, o legado da
Copa para Cuiabá, que prometia ser auspicioso, pode se limitar à lembrança de
um período de muita confusão – além de jogos memoráveis, como Bósnia x Nigéria.
Fontes: Época/Circuito MT
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